
As metáforas mais poderosas da tradição cristã
Entre as figuras de linguagem, a metáfora é aquela cuja lembrança nos vem mais à mente. Do ponto de vista escolar, a metáfora é uma comparação implícita, isto é, quando o enunciador não precisa de usar os termos: “como”, “que nem”, “é tipo”.
Em vez de dizer “Julieta é como o sol” (comparação), basta dizer “Julieta é o [meu] sol” (metáfora).
Ao observarmos a história do cristianismo, incontáveis metáforas foram produzidas, as quais retomarei apenas três, que considero estar entre as mais poderosas e significativas dos últimos 500 anos. Vejamos.
Metáfora 1: Castelo forte é nosso Deus. (metáfora clássica – no nível frasal)
“Ein’ feste Burg ist unser Gott” (Martinho Lutero, 1529)
Tendo perdido diversos amigos que se tornaram mártires da causa protestante, Lutero compôs Castelo Forte. Reza a tradição que, após uma das lutas, ele entrou na cidade alemã de Vórmia (Worms) cantando esta canção.
A metáfora tornou-se símbolo das igrejas protestantes e de diversos países que seguiram aquela tradição cristã. Veja uma estrofe da canção:
Castelo forte é nosso Deus.
Espada e bom escudo;
Com seu poder defende os seus
Em todo transe agudo.
(Lutero, 1529)
Metáfora 2: A opressão é um local. (metáfora conceitual – no nível cognitivo)
“If you are neutral in situations of injustice, you have chosen the side of the oppressor” (Tutu, 1984).
“Se você ficar neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor”
Considera-se uma metáfora cognitiva porque ela se torna coerente enquanto uma abstração mental, o que torna possíveis os usos de: “escolher um lado”, “tomar um caminho”, “o lado do opressor”, “ficar neutro é não sair do lugar” etc. Não é obrigatório que esse tipo de metáfora ocorra nos moldes da metáfora clássica, explicitamente no nível frasal “isto é aquilo”.
Desmond Tutu foi um bispo sul-africano, clérigo da Igreja Anglicana em África. Ele recebeu o Prêmio Nobel da Paz em 1984. Seu argumento é tão poderoso que costuma ser retomado por muitas pessoas, dentro e fora do mundo cristão. Relembre suas palavras:
“Se você ficar neutro em situações de injustiça, você escolheu o lado do opressor. Se um elefante pisar na cauda de um rato, e você disser que é neutro, o rato não apreciará sua neutralidade” (Desmond Tutu, 1984).
Metáfora 3: O amor mundano é uma doença (nicho metafórico – no nível cognitivo-discursivo)
O Padre António Vieira foi o principal representante do Barroco na literatura portuguesa, tendo vivido em diversas regiões de Portugal e do Brasil. Compôs as argumentações mais potentes do cristianismo em sua época.
“O amor mundano é uma doença” é um nicho metafórico. Considerado assim por ser capaz de organizar toda a argumentação de um segmento textual, no caso, o Sermão do Mandato, de 1643. Nesse texto, Vieira oferece três “remédios” para o amor, sendo que o mais forte dos remédios é: a melhoria do objeto. Pode-se dizer que a melhoria do objeto se fundamenta em metáforas conceptuais como: BOM É GRANDE, MELHOR É MAIOR e BOM É PARA CIMA.
Viera aponta:
Comumente se diz que o maior contrário da luz são as trevas, e não é assim. O maior contrário de uma luz é outra luz maior. (Padre António Vieira, 1643)
A “luz maior” a que Vieira se refere é o amor a Deus, que “cura” o amor do mundo.
Bibliografia
LUTERO, Martinho. Castelo Forte. In: Hinário Luterano. São Leopoldo: Concórdia, 1986.
MEHTA, Amar. Desmond Tutu: 10 famous quotes from South Africa’s Archbishop. Sky News. 26 Dez. 2021. Disponível em: https://news.sky.com/story/desmond-tutu-10-famous-quotes-from-south-africas-archbishop-12503958. Acesso em 31/05/2025.
VIEIRA, A. Essencial Padre Antônio Vieira. Organizado por Alfredo Bosi. São Paulo: Penguin / Companhia das Letras, 2011. Epub.
VEREZA, S. C. Metáfora e argumentação: uma abordagem cognitivo-discursiva. Linguagem em (Dis)curso, v. 7, n. 3, p. 487-506, 2007.