
Coronavírus, uma “gripezinha” – o uso de sufixos diminutivos
No dia 20 de março de 2020, o presidente Jair Bolsonaro participou de uma entrevista à imprensa, ocasião em que fez um comentário a respeito das suspeitas que lhe recaíam quanto ao coronavírus:
– “[…] não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar”, falou a todos.
Noutro dia deste mesmo mês, o presidente chegou a dizer que mesmo que pegasse o tal vírus, o máximo que lhe ocorreria seria o fato de ser “acometido de uma gripezinha, um resfriadinho”. Talvez uma gripezinha não derrube ninguém, mas um sufixo –inha pode derrubar a autoestima de muita gente por aí, aliás, só mesmo a “gentinha” para deixar-se abater por qualquer sufixo que se lhe esfregam na cara.
Sem adentrar-nos em análises de contexto político, podemos, a partir desse fato, avaliar os efeitos de sentido dos sufixos diminutivos. A começar pela prescrição, isto é, sobre o que a gramática normativa diz a esse respeito.
As palavras podem passar por um processo de transformação conhecido por derivação. Na análise mórfica, Bechara (2015, p. 354-5) explica que as palavras possuem um radical, que é a parte básica que carrega seu principal sentido (ex: livr-, de livro; trabalh-, de trabalhar), e um tema, que é o radical acrescido de vogal temática (ex: livro, de livro; trabalha-, de trabalhar). Existem ainda formas fixas que se associam à base da palavra: o elemento que se acrescenta ao início da base é chamado prefixo (ex: in-, em infeliz) e o que se acrescenta após o radical é chamado sufixo (ex: -eiro, em sapateiro; -mente, em suavemente).
Já que entendemos o que são sufixos, podemos, então, seguir uma lista mais específica para aqueles que possuem sentido diminutivo. Em Bechara (2015, p. 380-1), os sufixos diminutivos são listados assim:

Os sufixos diminutivos indicam não somente a ideia de tamanho reduzido, mas também uma idéia pejorativa. O professor Freitas (2007, p. 176-7) alerta para os sentidos de papelucho (papel sem importância), graçola (gracejo de mau gosto) e velhusco (muito envelhecido). Bechara (2015, p. 148) menciona alguns outros de teor pejorativo: livreco, padreco, coisinha.
No que concerne aos sufixos -inho, -zinho, -ito e -zito, existem regras que lhes dizem respeito, embora o seu uso possa ser intercambiável em muitas das vezes (ex: livrinho e livrozinho, medinho e medozinho). Tais são:

Há poucos anos, uma tese de doutorado foi defendida no programa de filologia da Universidade de São Paulo, cujo tema envolvia apenas os sufixos diminutivos. Nela, Santana (2017, p. 551-556) faz uma caracterização semântica do sufixo -inho tendo os seguintes empregos: diminuição de tamanho, aproximação afetiva positiva, depreciação, intensidade, duração e quantidade. O pesquisador ainda nos esclarece sobre o sentido depreciativo do sufixo -inho ao exemplificar:

Enfim, voltemos ao caso que serviu de pretexto para esta discussão, a gripezinha do coronavírus. Dele nada pretendemos deduzir sobre seus contextos políticos, mas apenas sobre a morfologia e a semântica gramatical, ou mesmo os efeitos de interação envolvendo a pragmática linguística. Conclui-se a seguinte combinação de sentidos:

Referências
BECHARA, Evanildo. Moderna Gramática Portuguesa. 38 ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2015.
FREITAS, Horácio Rolim. Princípios de Morfologia. 5 ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2007.
SANTANA, Messias dos Santos. O sufixo diminutivo em português: forma, funcionamento e significação – do século XIII ao XX. Tese (Doutorado em Filologia e Língua Portuguesa). São Paulo: 2017. 910 f.

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